
Ela termina de se vestir, bate a porte do quarto e anda pelo corredor estreito e mal iluminado, os neons das fachadas piscam e a ajudam a ver o caminho. Ela desce as escadas e mal olha para o porteiro que dorme debruçado em sua mesinha, - sobre ela apenas palavras cruzadas, um rádio e o quadrinho de chaves - o barulho do portão se fechando o acorda num susto, mas logo volta ao seu ofício. Antes dela seguir, pára e olha para o prédio antigo como quem se despede. È noite alta, mas as ruas estão cheias. Caminha pela calçada observando as pessoas, olha em seus rostos, como se procurasse por um conhecido, vaga pela cidade noite adentro, alguns já estão no ônibus indo para o trabalho, ela os vê encostados nas janelas, tentando (em vão) ainda dormir. Os carros passam, a provocam, nem liga. Um desses a acompanha e faz suas propostas, mas ela ignora num suspiro. Cansada, senta-se num degrau, recosta-se no batente e, por alguns segundos, tenta sonhar, mas logo levanta e continua a sua caminhada. Entra num boteco e senta numa mesinha, as pessoas parecem estar especialmente animadas à sua volta. Ela brinca sem mais com o copo de cerveja, deslizando levemente os dedos sobre a boca molhada, fazendo ele pender ora para frente, ora para trás. Tem o olhar distante, perdido, porém, tranqüilo. Uma roda lhe chama a atenção, um rapaz e três moças, todos bebem e dão risadas. Num sobressalto o copo se estilhaça, escorre sobre a mesa cerveja e sangue, o dela. Sai do bar correndo. Volta a caminhar pelas ruas, mas agora de maneira desesperada, procura nas pessoas, nas faces, nos seus olhos e não encontra nada que a satisfaça. Percorre apressada as ruas do centro, está cada vez mais exausta, não consegue mais. Para numa esquina qualquer e, abraçada ao poste, chora. Desconsolada segue em direção a estação de metrô, de um camelô compra por dois reais um pequeno buquê de flores comuns. O trem vai sentido leste e no caminho as luzes da cidade vão se apagando e o Sol vai nascendo. Sentada no vagão, ainda tenta uma última busca nos rostos que a acompanham na viagem, mas são só alguns trabalhadores e outros vagabundos, poucos no todo. Salta e segue com destino certo, caminha olhando unicamente para o chão, não há mais o que buscar. Passo a passo o seu salto alto vai rompendo a estreita rua de pedras, logo esta se torna de terra, batida e vermelha. Aos pés da pequena cruz branca ela deixa o ramalhete de flores, vira-se e vai embora.
ri
4 comentários:
SENSACIONAL!
Mas nem conta pra ninguém que é inspirado na música do Vanzolini, senão vão querer roubar pra fazer o clipe, hein! haha
Parabéns, mesmo!
BEEEEEIJOS
A foto é de São Paulo vista do alto do edifífio Itália!
Queria ter esse seu poder de brincar tão bem com as palavras.
Sensacional!
É impressionante como as palavras podem transformar uma ação corriqueira, mas ao mesmo tempo que envolve um sentimento tão complexo como a saudade, em uma odisséia psicológica!
Lindo!
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