sexta-feira, junho 01, 2007

Fato verídico

Pode até parecer mais uma obra de ficção entre outras tantas que pus neste espaço, mas o que relatarei agora não tem ligação alguma, o que não posso dizer com muita clareza, com o conto que publiquei sobre o Napoleão Silva. Napoleão Silva é uma personagem que foi criada por mim a partir de um simples exercício mental, não tendo havido até então nenhum tipo de inspiração concreta no mundo real.

No entanto, hoje, mais exatamente há uns dez minutos atrás, presenciei um acontecimento do qual fui coadjuvante e que me fez pensar agora que sem dúvida existe uma relação entre o que pensamos e o que vivemos.

Saí do colégio depois de uma manhã tranquila, na qual não tive que substituir professores em nenhuma aula. Vim para casa dirigindo e ouvindo músicas no rádio como faço todos os dias e pensando nos meus afazeres programados para tarde, sem saber que um evento que ocorreria por volta das doze horas mudaria meus planos de ter uma tarde comum.

Ao estacionar meu automóvel em frente a minha casa, desliguei o som que sintonizava uma dessas rádios jovens, peguei alguns livros e cadernos que eu havia posto sobre o banco traseiro e saí do carro. Neste mesmo momento, ao me virar à rua depois de ter girado a chave para trancar a porta do carro, avisto na outra calçada uma senhora muito idosa sendo amparada por uma dessas acompanhantes de idosos. Ao perceber a dificuldade da senhora idosa em manter o equilíbrio, vou ao seu encontro rapidamente já perguntando se estava tudo bem ou se ela necessitava de algo. Propus-me a levar um copo d´água ou uma cadeira já que estávamos exatamente em frente a minha casa.

A acompanhante da senhora disse-me estar tudo bem e que a senhora já estava melhor. Foi quando a senhora, que até então estava de costas para mim e sendo amparada pelos braços de sua acompanhante, virou-se. Olhando seu pequeno rosto, muito branco e enrugado, que acolhia dois olhinhos azuis e muito brilhantes, perguntei se ela estava com tontura.

E neste momento uma rajada de vento atingiu em cheio o que eu poderia ter de mais profundo e arrastar todos os medos que poderiam, por ventura, afligir-me. A resposta daquela senhora frágil de cerca de noventa anos atacou toda a minha pretensiosa força e invencibilidade proporcionada pelos meus vinte anos. A resposta foi tão violenta que a moça que acompanhava a senhora tentou até se justificar, já que o meu choque naquele momento tenha sido impossível de ser disfarçado. A pobre moça disse que aquilo era culpa de fortes medicamentos. Obviamente não acreditei nessa tese, uma vez que a lucidez que os olhos daquela senhora deixava transparecer me impediam de cair no engano de que ela não sabia o que estava falando.

Ao perguntar se ela estava com tontura, o furação que se abateu sobre todas as bases que eu tinha foi ela ter olhado bem dentro de meus olhos e respondido com uma voz muito baixa e quase incompreensível, tão frágil quanto a senhora:
- Não. Estou com velhice.

le

7 comentários:

Anônimo disse...

P.S. Depois deste acontecimento e das publicações deste texto e do anterior, percebi ter um grande conflito com a velhice. Não porque esteja muito distante da vida, mas porque está próximo da morte. Sempre vivi de perspectivas. Talvez seja esse o problema.

Anônimo disse...

P.P.S. É notável como, mais uma vez, a fala de um idoso, seja fictício ou real, nos deixa atordoados e reflexivos.

Anônimo disse...

Sei a pessoa sensível que vc é e não esperaria outra reação sua diante desse fato. Mas não se preocupe pois a velhice há de chegar antes para alguns amigos seus, se é que isso pode servir de consolo!

Abraços!

Ariane Cuminale disse...

Já que a velhice chega, que tal cuidarmos para que ela seja tranquila? Saber, numa determinada hora, que nos falta pouco, pode ser mais tranquilizante quando percebermos o que deixaremos, e ter lembranças da vida sensacional que tivémos, e nunca parar, nunca mesmo.
Velhice é relativa, se chegarmos aos 50 sem perspectivas de nada, pra que esperar até o cabelo todo ficar branco e o corpo frágil?
Já dizia o Chaves "Existem jovens de 105 anos, e velhos de apenas 26."
Isso sim é que é sabedoria! HAHA
Dei uma avacalhada no final, pra nãó perder o costume, mas sei que você entendeu o meu comentário!
BEEEEEEIJOS

Anônimo disse...

Puts...é isso...muito bom...Ouvi de um professor essa semana um fato que também o incomodou, não sei se da mesma forma como te comoveu a velhinha, mas de certo tem alguma ligação. O professor nos contou que foi aberta a biblioteca à uma escola pública, para que as crianças, com em média 7 anos pudessem manusear o livro que quizessem...Uma dupla dinâmica escolheu a ensiclopédia ( nem sei se escreve assim), folhando as páginas um deles disse:-Olha um fósseo! o outro endaga -Oque é um fósseo?? Aí o descobridor responde: -Ah! É uma coisa de uns 30 ou 40 anos!!!!

Entaum meu professor finalizou dizendo: - Eu em meus 60 anos o que devo ser???? Fiquei me sentindo o mosquitinho da bengala do senhor do Parque dos Dinossauros!!!


É isso...rsssss


beijocas...

Anônimo disse...

Ficar velho faz parte da vida e temos que agradecer se esse dia chegar até nós, já que hoje o mundo só nos mostra violência,e é cada vez mais assustador os cuidados que temos que ter com nossa saúde.
Plagiando nosso querido Riobaldo "Viver é muito perigoso" e sua personagem real tem uma lucidez incrível, que talvez supere sua agilidade tão debilitada.
beijos

Anônimo disse...

PQP! Tô arrepiada até agora guedelho...Demais! Aproveita o clima e lê "A velhice" da Simone de Beauvoir...
Depois de ler seu texto algumas idéias pululam por aqui...Conversamos na segunda.
Beijos