sexta-feira, dezembro 15, 2006

A certeza do espanto

Entrou em casa com a certeza do espanto, mas com a esperança (tola) da compreensão.

O pai, que nunca lhe falava nada, não por confiar ou por não saber como, mas simplesmente por não se importar, finalmente alterou o seu olhar.

_ O que é isso moleque, endoidou?

Disse com a voz presa, desacostumada aos tons alterados.

A mãe, que sempre fora sua amiga, sempre o protegera, mas que nunca conseguira (tentara) entende-lo, tentou mais uma vez.

_ Que é isso filho, é para alguma festa à fantasia?

Primeiro cabisbaixo, mas depois levantando levemente a testa, com a franja nos olhos, respondeu com um pouco mais de um sussurro:

_ Não mãe. É assim que eu vou usar o meu cabelo agora.

O pai, transtornado, finalmente desengripou a garganta:

_ O que? Rosa?! Vai agora ficar andando por aí com o cabelo cor-de-rosa! Tá ficando louco moleque?! O que que é? Virou um desses panques agora? Ou tá virando viado?! Já faz um tempo que eu tava achando você esquisito! Essas roupas, esse seu jeitinho! É isso que você quer, virar uma bicha?!

_ Minha Nossa, coitado do menino!

_ Eu não sou viado coisa nenhuma! E muito menos punk!

Disse num tom crescente e seguiu:

_ Não tem nada de mais, um monte de gente usa, meus amigos também, é super normal!

_ É só uma moda, não é meu filho? Logo passa.

Profetizou a mãe.

_ Passa é o cacete! Trata de tirar essa merda da sua cabeça agora mesmo! Tá me ouvindo? Tira esta desgraça da sua cabeça ou eu mesmo raspo esse cabelo de panque viado na gilete! Na gilete, tá me entendendo?!

_ Não.

_ O que?! Não me provoca moleque! Você vai tirar essa porcaria do cabelo, eu não sei como, mas vai tirar o quanto antes senão eu mesmo arranco essa merda no tapa! Olha, eu só não te dei uma surra até hoje porque tua mãe sempre te protegeu, sempre conseguia me enrolar, mas agora experimenta! Experimenta me desafiar pra ver o que te acontece!

Estava vermelho, os olhos esbugalhados e a saliva lhe escorria em baba. Espumava.

Nunca havia visto seu pai assim. Teve medo. Olhou para a mãe buscando qualquer sinal, mas a mulher calava atônita, havia paralisado diante da reação inédita de seu marido. Não o reconhecia. Sem a guarida de sua mãe sabia que estava perdido. Pensou em concordar com seu pai e acabar com tudo aquilo. Só pensou...

_ E.M.O.

_ Hã? O que é que você disse?

Soletrou e repetiu enfático.

_ E.M.O. É o que eu sou! Não sou punk e não estou virando bicha, é só um estilo diferente que a gente tem e essa “merda” no meu cabelo é só uma tinta rosa e faz parte desse estilo!

Encarou o pai que continuava a espumar, mas percebeu que seus olhos haviam parado num instante reflexivo. Sentiu que havia conquistado terreno. Pensou que da mesma forma que havia se assustado com a reação de seu pai, ele também poderia estar estranhando a investida inesperada do filho. Sentiu-se forte e continuou:

_ E quer saber, você que nunca se importou comigo, nunca me disse o que fazer ou o que não fazer, que sempre fingiu que eu não existia, não é agora que vai querer mandar na minha vida! Você não tem esse direito porque nunca foi meu pai de verdade! E a “merda” não tá na minha cabeça, tá na sua!

Respirou e concluiu:

Pai de MERDA!

Continua....

ri

7 comentários:

Anônimo disse...

O mais engraçado é ter a certeza que situações como essa realmente existem. O "rótulo" é o maior medo e a maior vergonha de muitos pais por aí, afinal, temos todos que seguir as leis impostas pela sociedade, não é mesmo?
Enquanto tivermos PAIS DE MERDA, sempre haverá preconceito e sempre haverá pessoas que desafiarão o "inferno" para consquistarem sua integridade.

Anônimo disse...

Anseio pela continuidade desta história, espero que ela não tarde a aparecer nessa nossa sociedade tão produtiva.

Anônimo disse...

Essas situações existem mesmo e são mais freqüentes do que imaginamos.
Essa semana mesmo tinha uma mãe lá na escola falando que o filho dela terinaria a caligrafia nas férias porque a mão dele era muito firme na escrita e a letra ficava feia. A mãe disse que ele faz isso porque escrever com a mão mais suave, mais deslizante sobre o papel é "coisa de bicha".

Concordo com a Ju, enquanto existirem esses "pais de merda", o preconceito continuará.

Próximo capítulo da novela!

Anônimo disse...

A novidade nas cabeças conservadoras de merda dá merda. Muitas vezes os atos conservadores são muito mais condenáveis, do que os que são condenados por eles.

No meu ver, o ato só é condenável no momento em que passa a prejudicar o próximo. Portanto, o preconceito é muito mais condenável do que o cabelo cor-de-rosa.

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Esse texto, no entanto, no que diz respeito à qualidade, deixou a desejar. A estrutura é muito pobre e o enredo fraco, pouco convincente.

Note no meu último texto como trabalhei a coesão textual quando quis representar estilisticamente desde o início o meu intuito. No entanto, você deu pouca ou nenhuma atenção a este quesito.

Portanto, este texto surge como um fruto podre naquela sua tão brilhante produção até então. Não consigo acreditar que este texto tenha saído de sua cabeça.

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Hahahaha.
É brincadeira.

Este comentário foi só para variar a minha admiração pelos seus textos.

Meus parabéns.

le

Anônimo disse...

assino embaixo do leandro, mas só na segunda parte do comentário dele!
hahaha, mentira!

Anônimo disse...

Já leu Rubem Fonseca???? Estou lendo uma série de contos dele...Seu texto ficou muito parecido, a forma "jogada" de escrever, simples e profundo. O que mais me adimira e as várias facetas que você cria...me assusta um pouco rssss, ora poeta, ora contador de histórias...

Abraçaum....

Anônimo disse...

"tatinha"
desculpe-me a demora em te responder, mas não havia visto o seu comentário. Espero que ainda visite o blog e possa ler essa resposta!
Para falar a verdade não conheço muito sobre Rubem Fonseca, mas você me deixou curioso! Quais contos está lendo? Tem alguma sugestão?
E só para agradecer as suas visitas e os seus comentários, logo estarei colocando a parte final do conto.
Abraços