segunda-feira, dezembro 03, 2007
"A vida dos outros"
A VIDA DOS OUTROS
Filme alemão. Se passa em 1984 na antiga Alemanha Oriental. Um homem do setor de segurança do Estado é incubido de investigar a vida de um casal, um escritor e uma atriz. A causa da investigação: um dos chefes supremos do Partido Comunista se apaixona pela atriz e seus subordinados, em busca de prestígio e promoção, tentam incriminar o escritor. No entanto, o responsável pela investigação, dedicado exclusivamente ao partido, não contava com a comoção pessoal ao topar com um sentimento que só existe com quem tem vida particular.
Final surpreendente.
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segunda-feira, outubro 29, 2007
Semelhanças, meras coincidências e muito drama
domingo, outubro 21, 2007
Mutualidade
E a porta bateu, ou melhor, ela bateu a porta com a intenção de que o deslocamento de ar provocado o impelisse para o lugar de onde ele veio.
Ele só estava, mais uma vez, tentando dialogar, sentia-se injustiçado por amar tanto.
Três anos antes ele a havia conhecido em uma festa de um amigo comum. Beberam e conversaram muito. A partir daí, com o vínculo criado e a imensa vontade de ter com quem transar quando bem entendesse, e sem ter que pagar por isso, ele partiu em busca de seu objetivo de macho dominante: subjugar a fêmea de largas ancas.
Muitos foram os recursos empregados, desde flores até declarações ridículas, passando por chocolates, roupas, promessas e convites. Chegou mesmo a brigar com outros machos para disputar o mérito de acasalar com aquela fêmea.
Depois de tantas tentativas de ser reconhecido, enfim ele conseguiu subjugar a fêmea. Numa noite lancinante, ele ocupou de um vez por todas seu cargo privilegiado, usando a fêmea em posições humilhantes para que seu prazer fosse satisfeito.
Daí em diante, passaram a ter um relacionamento compromissado.
E o sujeito atuante na ação do subjugo foi, aos poucos, transformando-se em objeto.
- Temos que ter uma conversa. - disse ela. - O que acontece é que eu gosto de um outro rapaz, com o qual já me relaciono há quatro meses. Por isso quero que você se sinta à vontade para sair com outras pessoas e me esquecer.
- Mas...
- Só isso que tenho a te dizer. Infelizmente não te amo mais e espero que você deixe de me amar o mais rápido possível.
E retirou-se.
Descontrolado e desnorteado, tentou buscar o erro. E não o encontrou. Várias foram as tentativas de falar com ela à procura de uma explicação menos contundente, mas só encontrou contundências saindo daqueles lábios que em algum momento passado envolveram-lhe o corpo.
Dentro do carro, estacionado em frente ao prédio, hesitou por algum tempo se deveria subir. Talvez ela estivesse com seu novo amor, em posições mais confortáveis do que aquelas que ele se recordava. Decidiu subir.
Chegou ao apartamento dela.
Lá, ele encontrou uma porta fechada, que o impeliu para o lugar de onde ele veio: caiu ao lado de seu próprio carro ao vir do oitavo andar pelo caminho mais curto.
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Liberdade
Jorge Furtado
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sábado, outubro 06, 2007
Genialidade sociológica
Nasceu no Rio de Janeiro, morro do Livramento. Era pobre , epilético, negro (odiava ser chamado de mulato). Pior: era pobre numa sociedade capitalista, epilético numa sociedade racional e negro numa sociedade escravista. Filho de um pintor de paredes, verdadeiro agregado de uma família de posses da alta sociedade carioca do século XIX.
No entanto, nasceu com o gênio impregnado na mente e plenamente consciente do seu papel de agregado e da brutalidade da dominação brasileira, dominação escravista e clientelista.
Apesar de tudo, completou sua ascensão social, chegou à classe dominante e agiu como um traidor de classe: envenenou com a pena da galhofa e a tinta da melancolia a classe dos proprietários. Contudo, teceu um lindo véu de seda da mais alta qualidade por cima do aranhol mortífero. Isso lhe rendeu agrados e homenagens, até sua morte, por parte daqueles nos quais o veneno fora inoculado.
Machado de Assis foi o primeiro a minar e denunciar a perversão dos que se auto denominam "a locomotiva da nação". Ele denunciou os donos do poder, do podre poder do Brasil. E Machado o fez perfeitamente, sem o auxílio de uma análise de um Caio Prado, de um Celso Furtado ou de um Sérgio Buarque.
Leiamos Machado de Assis, para que nos conheçamos de fato.
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domingo, setembro 23, 2007
Chico Menegídeo

E agora tenho o prazer de entregar o prêmio de melhor livro de ficção deste ano para... o autor de “Por Obséquio, Cale a Boca!”, Chico Menegídeo!
É então, eu tava a fim de fazer algo diferenciado, sabe? Algo que pudesse trazer de volta a primavera da minha vida, que nem, ou melhor, igual que nem eu era garoto e brincava na rua e via as coisas que nem elas são, via tudo do mesmo nível, podia sentir, cheirar, até lamber qualquer coisa e daí eu tinha certeza de como tudo era de verdade. Hoje se eu fizer isso na rua, não sei, podem até achar esquisito e que eu to precisando de alguma coisa ou que eu to louco mesmo, não dá mais, sabe? Mas é uma pena, sinto muita falta, quer dizer, tem um monte de coisa que eu já experimentei ou já cheirei ou sei lá o que eu fiz, mas que eu já sei como é, mas tem muita coisa nova pelas ruas e dá uma vontade, mas aí eu tenho que me segurar pra manter a sociedade tranqüila, e mesmo as que eu já sei, hummm, ainda me vem a vontade, porque, bom, sabe, as coisas parecem que mudam quando a gente cresce, não sei, mas eu tenho a impressão de que as coisas são mais gostosas quando a gente é pequeno, igual que nem um sorvete de uva que saía de uma garrafa e que vendia perto do colégio, achava a maior delícia do mundo até o dia em que eu parei de tomar, que eu nem sei por que foi, mas sei que um dia desses tava andando e vi o raio do carrinho do sorvete e quis tomar depois de dez anos, é uma merda! Não tem gosto de nada, até joguei no bueiro, mas não é isso o que eu lembro de quando era garoto, sabe? Aí eu fico com a vontade de ver se ainda é a mesma coisa ou tudo muda que nem o sorvete de uva, não sei, também às vezes acho que é melhor nem testar mais nada que é pra não ter mais decepção, mas ainda dá vontade! Mas é disso que fala o meu livro. E não que eu tive uma infância rica não, quer dizer, que não que eu tinha dinheiro e passava bem, igual que nem aquele sorvete lá, eu trocava muita merenda por moedinha pra conseguir tomar, pois é, se eu soubesse que era uma merda antes tinha me alimentado melhor, acho que é por isso que eu sou meio atarracado, sabe? Mas é, uma infância pobre é mais rica que qualquer adultância. E é mais ou menos isso aí, mas no livro eu explico bem melhor.
sexta-feira, agosto 17, 2007
Feminina e singular
Quando eu amo
ela surge
Bate à porta
quando me revolto
Vem carinhosa enxugar as lágrimas que me entorpecem o rosto
Me tira da cama para se mostrar como solução
Insiste em aparecer na ponta do lápis quando você não me quer
A poesia guarda para si a plenitude e a angústia dos amantes
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sexta-feira, junho 01, 2007
Fato verídico
No entanto, hoje, mais exatamente há uns dez minutos atrás, presenciei um acontecimento do qual fui coadjuvante e que me fez pensar agora que sem dúvida existe uma relação entre o que pensamos e o que vivemos.
Saí do colégio depois de uma manhã tranquila, na qual não tive que substituir professores em nenhuma aula. Vim para casa dirigindo e ouvindo músicas no rádio como faço todos os dias e pensando nos meus afazeres programados para tarde, sem saber que um evento que ocorreria por volta das doze horas mudaria meus planos de ter uma tarde comum.
Ao estacionar meu automóvel em frente a minha casa, desliguei o som que sintonizava uma dessas rádios jovens, peguei alguns livros e cadernos que eu havia posto sobre o banco traseiro e saí do carro. Neste mesmo momento, ao me virar à rua depois de ter girado a chave para trancar a porta do carro, avisto na outra calçada uma senhora muito idosa sendo amparada por uma dessas acompanhantes de idosos. Ao perceber a dificuldade da senhora idosa em manter o equilíbrio, vou ao seu encontro rapidamente já perguntando se estava tudo bem ou se ela necessitava de algo. Propus-me a levar um copo d´água ou uma cadeira já que estávamos exatamente em frente a minha casa.
A acompanhante da senhora disse-me estar tudo bem e que a senhora já estava melhor. Foi quando a senhora, que até então estava de costas para mim e sendo amparada pelos braços de sua acompanhante, virou-se. Olhando seu pequeno rosto, muito branco e enrugado, que acolhia dois olhinhos azuis e muito brilhantes, perguntei se ela estava com tontura.
E neste momento uma rajada de vento atingiu em cheio o que eu poderia ter de mais profundo e arrastar todos os medos que poderiam, por ventura, afligir-me. A resposta daquela senhora frágil de cerca de noventa anos atacou toda a minha pretensiosa força e invencibilidade proporcionada pelos meus vinte anos. A resposta foi tão violenta que a moça que acompanhava a senhora tentou até se justificar, já que o meu choque naquele momento tenha sido impossível de ser disfarçado. A pobre moça disse que aquilo era culpa de fortes medicamentos. Obviamente não acreditei nessa tese, uma vez que a lucidez que os olhos daquela senhora deixava transparecer me impediam de cair no engano de que ela não sabia o que estava falando.
Ao perguntar se ela estava com tontura, o furação que se abateu sobre todas as bases que eu tinha foi ela ter olhado bem dentro de meus olhos e respondido com uma voz muito baixa e quase incompreensível, tão frágil quanto a senhora:
- Não. Estou com velhice.
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sexta-feira, maio 25, 2007
Pobre que pensa é pecador
Queria ler livros, mas os únicas letras que conseguia unir eram as que vinham no letreiro do ônibus, já que as havia decorado: IRAJÁ. Sabia que os livros traziam histórias maravilhosas, em que animais falavam, pessoas voavam e Deus existia em carne e osso. (Tinha ouvido uma vez que Deus é alma, é espírito, é invisível). Queria poder entender como algo existe e não pode ser sentido, nem apalpado. Seu Napoleão também sabia que o ar é invisível, mas sabia que ele estava ali, porque às vezes ventava. Talvez Deus estivesse só na mente das pessoas, talvez Deus é que fosse criação do homem, não o homem criação de Deus.
Estava nestas reflexões quando olhou pela janela e avistou o ponto em que deveria descer. Levantou-se às pressas e puxou a corda que dá sinal de parada. Caminhando pela calçada, sozinho mesmo estando entre pessoas que o conheciam, seu Napoleão passa absorto nas idéias que lhe surgiram no ônibus, mas tentava deixar de pensar nisso já que era blasfêmia pensar e questionar coisas de Deus.
Chegou em casa, abriu o cadeado que unia os elos da corrente que servia para fechar-lhe a porta de casa, uma porta de madeirite, com um furo no lado direito, pelo qual se passava a corrente. Entrou, deitou em sua cama, já eram oito horas da noite. Morava sozinho, recebia visitas somente dos filhos, que o visitavam de tempos em tempos, de algumas prostitutas e de moças da vizinhança que conseguia levar para cama. Apesar das visitas e da fama que tinha na comunidade, seu Napoleão sentia-se sozinho. Agora, por exemplo, não tinha ninguém para fazer-lhe um café ou para conversar. Poderia ir ao bar, lá estariam os outros vizinhos, mas não é bem isso que seu Napoleão queria. Não queria falar com bêbados, não queria mais transar só para gozar e depois chutar a moça para fora de casa. Não que não tivesse necessidades fisiológicas de sexo, mas suas necessidades psicológicas passavam a falar mais alto.
A situação se tornava cada vez pior. A vizinhança já se perguntava porque seu Napoleão não saía mais de casa quando chegava do trabalho.
Era sexta-feira, a mesa na porta do bar estava cheia de garrafas e de homens bêbados ao redor conversando animadamente. A conversa era o jogo de futebol que ocorreria no final-de-semana, mas como qualquer prosa de bar, ela andava e se modificava e tomava novos rumos, até desembocar novamente na situação de seu Napoleão. Um grupo de vizinhos decidiu ir à casa de seu Napoleão, convidá-lo para ir ao bar e tentar animá-lo a sair novamente de casa.
Quatro dos homens que estavam na mesa do bar percorreram as escadas sinuosas da favela até chegarem à porta de seu Napoleão. Batem à porta e uma voz muito rouca e baixa soava lá dentro incompreensível. Os homens insistem. A corrente se mexe e se ouve o ruído do cadeado sendo aberto. A porta, entreaberta, mostra um Napoleão mais enrugado, curvado, trêmulo e triste. Um dos homens toma a dianteira "está tudo bem com o senhor, seu Napoleão?". O velho responde ao homem:
- Não, meu filho, sinto que estou morrendo. Sofro por não ter feito de minha vida uma preparação para a minha velhice. Fiz filhos, paguei a pensão com muita dificuldade a todos eles, mas onde eles estão agora? Não que eu esteja cobrando a presença deles aqui, já que estive ausente esse tempo todo da vida deles. Onde estão as mulheres que se deitaram comigo? Elas me serviram só para que eu botasse para fora minha porra e aliviasse o meu tesão. Mas onde elas estão agora? Devem estar se deitando com outros homens e não se lembram mais deste velho. E eu devo cobrar a presença delas aqui também? Não, não devo, meu filho, porque usei essas mulheres como objeto. O que tenho feito de bom nesta vida? Dizem que os livros contam histórias de coisas bonitas e que sempre terminam bem. Queria muito ter lido um livro, apenas para conhecer uma história que tem um final feliz. Mas de uma coisa eu tenho certeza: estou sofrendo desse jeito por culpa minha; estou assim desde quando questionei se Deus existia ou não um dia no ônibus.
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domingo, maio 06, 2007
Ronda

Ela termina de se vestir, bate a porte do quarto e anda pelo corredor estreito e mal iluminado, os neons das fachadas piscam e a ajudam a ver o caminho. Ela desce as escadas e mal olha para o porteiro que dorme debruçado em sua mesinha, - sobre ela apenas palavras cruzadas, um rádio e o quadrinho de chaves - o barulho do portão se fechando o acorda num susto, mas logo volta ao seu ofício. Antes dela seguir, pára e olha para o prédio antigo como quem se despede. È noite alta, mas as ruas estão cheias. Caminha pela calçada observando as pessoas, olha em seus rostos, como se procurasse por um conhecido, vaga pela cidade noite adentro, alguns já estão no ônibus indo para o trabalho, ela os vê encostados nas janelas, tentando (em vão) ainda dormir. Os carros passam, a provocam, nem liga. Um desses a acompanha e faz suas propostas, mas ela ignora num suspiro. Cansada, senta-se num degrau, recosta-se no batente e, por alguns segundos, tenta sonhar, mas logo levanta e continua a sua caminhada. Entra num boteco e senta numa mesinha, as pessoas parecem estar especialmente animadas à sua volta. Ela brinca sem mais com o copo de cerveja, deslizando levemente os dedos sobre a boca molhada, fazendo ele pender ora para frente, ora para trás. Tem o olhar distante, perdido, porém, tranqüilo. Uma roda lhe chama a atenção, um rapaz e três moças, todos bebem e dão risadas. Num sobressalto o copo se estilhaça, escorre sobre a mesa cerveja e sangue, o dela. Sai do bar correndo. Volta a caminhar pelas ruas, mas agora de maneira desesperada, procura nas pessoas, nas faces, nos seus olhos e não encontra nada que a satisfaça. Percorre apressada as ruas do centro, está cada vez mais exausta, não consegue mais. Para numa esquina qualquer e, abraçada ao poste, chora. Desconsolada segue em direção a estação de metrô, de um camelô compra por dois reais um pequeno buquê de flores comuns. O trem vai sentido leste e no caminho as luzes da cidade vão se apagando e o Sol vai nascendo. Sentada no vagão, ainda tenta uma última busca nos rostos que a acompanham na viagem, mas são só alguns trabalhadores e outros vagabundos, poucos no todo. Salta e segue com destino certo, caminha olhando unicamente para o chão, não há mais o que buscar. Passo a passo o seu salto alto vai rompendo a estreita rua de pedras, logo esta se torna de terra, batida e vermelha. Aos pés da pequena cruz branca ela deixa o ramalhete de flores, vira-se e vai embora.
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terça-feira, maio 01, 2007
Coisa de Ambiente? Coisa de Veado!
1º de Maio de 2007, Festa da Força Sindical - Campo de Bagatelle - Zona Norte -SP
Não, não é perseguição!
Mas eu me pergunto, como um ser desses pode dizer coisas assim para um público de mais de um milhão de pessoas? Quem permite isso?
Mas não vou perder o meu tempo discutindo o que diz um indivíduo tão despreparado.
Vou falar sim de quem vale a pena ser lembrado...
Carta à um amigo, 06 de setembro de 1988 - Xapuri - AC
Também longe de tentar difundir qualquer iadealismo político, dá para sentir a diferença entre os pensamentos, o primeiro, classista e preconceituoso, e o segundo, unificador e em busca da paz.
Para saber mais: www.chicomendes.com.br e www.chicomendes.org
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segunda-feira, abril 23, 2007
Feijão com Macarrão e Pamonha!

Disse o pastor:
_ Assim não dá!
_ Vamos parar todas as linhas de ônubus e metrô da cidade de São Paulo e ferrar com a vida de milhares de trabalhadores que acordam de madrugada para poderem chegar no serviço a tempo! É, claramente, o único meio para resolvermos esse assunto.
_ Vamos parar tudo!
E então...


E o pastor conclui:
_ Muito bem ovelhinhas, fizeram o seu papel direitinho! Vão até aperecer no Jornal Nacional!
E viva o Brasil que sabe misturar de tudo, samba com jazz, pinga com limão, emenda 3 com transporte público e, é claro, feijão com macarrão e pamonha!
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terça-feira, abril 17, 2007
segunda-feira, abril 16, 2007
O cheiro do ralo

Ele entra.
Me tomo fitando o céu.
Mesmo sem fome e com nojo, me sento no mesmo lugar.
Ah! O livro é o mesmo de ontem.
Paul Auster é difícil.
Ele diz, vai chover.
O gramofone pesava.
Ele o apoiou em minha escrivaninha.
Se a comida fosse boa, o paraíso seria aqui.
Sem perceber, falei.
Ela riu.
Devolvi.
Funciona?
Não, mas é um belíssimo enfeite.
Alego não haver interesse.
Trouxe o lanche. Ansiava pelo refrigerante.
Ela foi.
Ela se curvou.
Ele pergunta se eu sei de onde ele veio.
Nem respondo.
E de ônibus.
Sua bunda,
Sua bunda imensa e disforme sorriu para mim.
Suei frio.
E assim vai voltar, digo eu.
Esse gramofone tem história.
O cheiro é do ralo.
Porque o Senhor disse aquilo?
Eu gosto daqui, ta sempre vazio, consigo sempre o mesmo lugar no balcão.
A vida é dura.
Dura é o caralho, pragueja ele.
Eu pagaria só pra olhar essa bunda.
Trechos do livro "O Cheiro do Ralo" de Lourenço Mutarelli.
O livro custa menos de 20 Reais e o filme ainda está em cartaz em alguns cinemas. Vale a pena!
ri
quarta-feira, março 21, 2007
quinta-feira, fevereiro 22, 2007
Cristiano
Seu nome era Cristiano, derivado do nome de Cristo, talvez uma previsão do seu destino de traições. Nascera pobre e nunca frequentara a escola, vezes por falta de dinheiro outras por falta de interesse. Afinal, pouco era necessário saber para carregar e amontoar os papelões que seu pai trazia das ruas. Não brincava e nunca sorria. Descobriu cedo a dor de ver crianças bem vestidas, com o cabelo penteado e mochilas coloridas indo à escola, enquanto seu pai chegava com mais um carregamento a ser empilhado.
Cristiano aprendeu cedo a sonhar. Aliás, sonhar Cristiano fazia melhor do que as crianças que não precisavam transpor a barreira da carência. Seu grande sonho era ir à praia, ir ter com as imagens que um dia viu na televisão: vagas verdes quebrando numa areia linda.
O pai era mais patrão que pai. A mãe, dona Aparecida, ausente e submissa, era de uma família de fazendeiros, falidos graças à extravagância de seu patriarca, seu Raimundo. Ao ver-se endividado e com a família passando fome, seu Raimundo suicidou-se, deixando a esposa - dona Maria - mais sete filhos com as dívidas, com a fome e com seu corpo.
A viúva e os filhos foram obrigados a migrar do interior do estado para a capital, Natal, a fim de fugir dos credores e do terror de viver numa casa assombrada pelo espírito de um suicida. Aparecida, que apesar da infância sem dificuldades manteve-se rude, começou a trabalhar como vendedora de cosméticos. O contra senso de sua rudeza e de sua profissão foi a causa de seu fracasso. No entanto, em uma de suas andanças pela cidade, batendo de porta em porta, conheceu Pedro.
Casaram-se enfim Pedro e Aparecida. A festa foi possível somente porque a patroa de Aparecida, que agora era doméstica, ofereceu-se para arcar com os gastos. O terreno foi comprado, o barraco erguido e os trapos acumulados. Os filhos foram nascendo. Cristiano era o terceiro de um total de cinco. Seu Pedro com muito labor conseguia sustentar a casa. Apesar disso, seu ímpeto de macho dominante obrigou-o a proibir dona Aparecida de trabalhar fora. Dona Aparecida era ausente aos filhos e submissa ao marido: assim aprendera a ser desde pequena com o exemplo da mãe.
Com mãe e pai ausentes, a primeira pelo medo do esposo, o segundo pela falta de sentimento paterno, Cristiano cresceu querendo ter uma família de verdade, na qual, ele, como chefe, faria tudo diferente ao que seu pai fazia.
Cristiano enfim conheceu Silvana. Ele tinha dezoito anos, ela dezessete. Silvana sabia ler e escrever. Silvana, apesar da pouca vaidade, era bonita. Aos poucos, Cristiano passou a sentir o que ele nunca imaginaria antes existir: Cristiano passou a amar. Ela correspondia, não na mesma proporção. O coração de Cristiano era todo de Silvana, mas Cristiano tinha de repartir o de Silvana com outro homem.
Porém, disso ele ainda não sabia. E era bom que não soubesse, pois sua realidade ficou menos dura com este novo sentimento. Os fardos de papelão não pareciam mais tão pesados e a anestesia surtia efeito mesmo quando seu Pedro ofendia Cristiano injustamente por alguma tarefa supostamente mal-feita.
Silvana levou-o à praia. Para Cristiano, a praia pareceu-se pouco com a imagem que ele tinha em sua mente. Apesar disso, maravilhou-se. O que Cristiano não sabia é que além do coração, ele também dividida o corpo de Silvana com outro homem: Silvana levou-o ao mesmo lugar onde, no dia anterior, transara com o outro.
Porém, disso ele também ainda não sabia.
Cristiano voltou para casa e, à noite, sonhou com a praia. No dia seguinte, sempre que pensava no lugar onde estivera, associava-o à figura imaculada de Silvana. Tomou coragem para abandonar as obrigações e ir ao mesmo ponto da praia em que esteve.
Que estranho! Parece o pai! E era ele mesmo. Ao seu lado, nua, deitada na areia e abraçada com ele... Ah, meu Deus! Silvana!
Cristiano volta para casa, termina, com lágrimas a escorrer no rosto, as obrigações com seus papéis imundos. Ao anoitecer, volta o pai, hoje quase sem nenhum carregamento. Lógico! Esteve a comer vagabundas o dia todo!
Quinze minutos depois, Cristiano sai de casa em direção à casa de Silvana, levando ódio nos olhos e o revólver de seu pai na cintura. Deixara seis cadáveres na cozinha de casa: matou o pai pela traição, a mãe porque não merecia saber que foi traída e os irmãos por não querer repetir a angústia de dona Aparecida quando do suicídio de seu Raimundo.
Na casa de Silvana, pede a ela para irem à praia, pois queria amá-la novamente naquele lugar tão lindo. Lá chegando, Cristiano desferiu quatro tiros no tórax e no rosto de Silvana. Deitou-se ao lado do corpo pequeno e sedutor da traidora, e, olhando as estrelas no céu, percebeu que nunca havia reparado nelas com tanta atenção. Decidiu ir até elas, não para encontrar a traidora nem sua família, mas porque, sem aquele sentimento que tinha por Silvana, a dureza de sua realidade seria pior do que era antes.
Deu um tiro na própria cabeça, mas, apesar da areia ensanguentada, ele continuava a olhar as estrelas. Sabia que morreria em instantes, contudo queria aproveitar o tempo que lhe restava olhando aqueles pedacinhos de luz, antes imperceptíveis a ele. Já não sentia o corpo e as vistas começavam a se anuviar. Sentia um sono devastador e sabia que, se dormisse, não mais acordaria, mas a monótona e persistente cadência das ondas adormecia-o. A areia branca acalentava o seu corpo como num abraço quente. O céu escuro e salpicado de luz deixava entrever poucos detalhes de seu corpo que, após um dia de muitas descobertas, jazia silencioso.
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sexta-feira, janeiro 26, 2007
Por um segundo
Desta forma, tudo estava em seu devido lugar e o mundo podia ter mais um dia comum nas escolas, nos negócios, nas guerras, nas construções, nos aeroportos, na internet, na exploração social, nas consultas médicas. Deus permitira que, por mais um dia, fosse mantida a ordem, a mesma do dia anterior, a mesma ordem que privilegia poucos e martiriza muitos. Não houve, até este segundo, nenhum atentado terrorista, nem de abelhas, uma queda de energia sequer. O chão estava firme, o ar poluído, o céu azul, os carros correndo.
Ninguém poderia supor o que ocorreria no próximo segundo. Nem por isso teria de ocorrer algo incrível, só porque os textos de nosso tempo lançam mão deste recurso: a rotina é rotina até que tudo sai dos eixos.
Mas, por este texto pertencer a este tempo, não poderia o autor se esquivar deste recurso somente para apresentar-se como um à frente de seu tempo. Por esta mesma razão, informo-lhes que houve sim algo incrível no segundo seguinte àquele do calor e do metrô e do cristal e das cores primárias, porém logo o sabereis. Antes, vale a pena refletirmos o que é algo inacreditável.
O inacreditável é o biquini para o esquimó ou uma República platônica para um país assolado pela corrupção. O inacreditável é sempre maior ou menor, de acordo com a realidade vivida por cada um. Ele sempre leva à descrença de que algo pode ser alcançado. Portanto, deve-se levar em conta que o que é crível para você pode não o ser para outro.
O relógio marca as horas somente, independentemente se o céu ainda está escuro ou se já amanheceu o dia. Cabe a quem o consultar acreditar nas horas ou acreditar que as pilhas estão fracas.
Hoje, a relativização de tudo também é moda, o que novamente encaixa o autor neste tempo.
Voltemos, pois, ao inacreditável ocorrido na narrativa. O que impressionou tanto, a ponto de levar à produção deste texto, foi que alguém, em algum lugar ignóbil deste planeta, percebeu que tem a capacidade de amar outra pessoa. E é exatamente por pertencer a este tempo, que o autor do texto julgou o ocorrido tão inacreditável.
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