segunda-feira, outubro 29, 2007

Semelhanças, meras coincidências e muito drama

Semelhanças, meras coincidências e muito drama - colorido.
Nelson Rodrigues e Pedro Almodóvar.

Será que isso é coisa da minha cabeça?
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domingo, outubro 21, 2007

Mutualidade

- O que você quer? Já te disse que não quero que você apareça mais por aqui.

E a porta bateu, ou melhor, ela bateu a porta com a intenção de que o deslocamento de ar provocado o impelisse para o lugar de onde ele veio.

Ele só estava, mais uma vez, tentando dialogar, sentia-se injustiçado por amar tanto.

Três anos antes ele a havia conhecido em uma festa de um amigo comum. Beberam e conversaram muito. A partir daí, com o vínculo criado e a imensa vontade de ter com quem transar quando bem entendesse, e sem ter que pagar por isso, ele partiu em busca de seu objetivo de macho dominante: subjugar a fêmea de largas ancas.

Muitos foram os recursos empregados, desde flores até declarações ridículas, passando por chocolates, roupas, promessas e convites. Chegou mesmo a brigar com outros machos para disputar o mérito de acasalar com aquela fêmea.

Depois de tantas tentativas de ser reconhecido, enfim ele conseguiu subjugar a fêmea. Numa noite lancinante, ele ocupou de um vez por todas seu cargo privilegiado, usando a fêmea em posições humilhantes para que seu prazer fosse satisfeito.

Daí em diante, passaram a ter um relacionamento compromissado.

E o sujeito atuante na ação do subjugo foi, aos poucos, transformando-se em objeto.

- Temos que ter uma conversa. - disse ela. - O que acontece é que eu gosto de um outro rapaz, com o qual já me relaciono há quatro meses. Por isso quero que você se sinta à vontade para sair com outras pessoas e me esquecer.

- Mas...

- Só isso que tenho a te dizer. Infelizmente não te amo mais e espero que você deixe de me amar o mais rápido possível.

E retirou-se.

Descontrolado e desnorteado, tentou buscar o erro. E não o encontrou. Várias foram as tentativas de falar com ela à procura de uma explicação menos contundente, mas só encontrou contundências saindo daqueles lábios que em algum momento passado envolveram-lhe o corpo.
Dentro do carro, estacionado em frente ao prédio, hesitou por algum tempo se deveria subir. Talvez ela estivesse com seu novo amor, em posições mais confortáveis do que aquelas que ele se recordava. Decidiu subir.

Chegou ao apartamento dela.

Lá, ele encontrou uma porta fechada, que o impeliu para o lugar de onde ele veio: caiu ao lado de seu próprio carro ao vir do oitavo andar pelo caminho mais curto.

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Liberdade

"Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda."

Jorge Furtado

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sábado, outubro 06, 2007

Genialidade sociológica

"... e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, úmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana" (Machado de Assis)

Nasceu no Rio de Janeiro, morro do Livramento. Era pobre , epilético, negro (odiava ser chamado de mulato). Pior: era pobre numa sociedade capitalista, epilético numa sociedade racional e negro numa sociedade escravista. Filho de um pintor de paredes, verdadeiro agregado de uma família de posses da alta sociedade carioca do século XIX.

No entanto, nasceu com o gênio impregnado na mente e plenamente consciente do seu papel de agregado e da brutalidade da dominação brasileira, dominação escravista e clientelista.

Apesar de tudo, completou sua ascensão social, chegou à classe dominante e agiu como um traidor de classe: envenenou com a pena da galhofa e a tinta da melancolia a classe dos proprietários. Contudo, teceu um lindo véu de seda da mais alta qualidade por cima do aranhol mortífero. Isso lhe rendeu agrados e homenagens, até sua morte, por parte daqueles nos quais o veneno fora inoculado.

Machado de Assis foi o primeiro a minar e denunciar a perversão dos que se auto denominam "a locomotiva da nação". Ele denunciou os donos do poder, do podre poder do Brasil. E Machado o fez perfeitamente, sem o auxílio de uma análise de um Caio Prado, de um Celso Furtado ou de um Sérgio Buarque.

Leiamos Machado de Assis, para que nos conheçamos de fato.

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