Entrou em casa com a certeza do espanto, mas com a esperança (tola) da compreensão.
O pai, que nunca lhe falava nada, não por confiar ou por não saber como, mas simplesmente por não se importar, finalmente alterou o seu olhar.
_ O que é isso moleque, endoidou?
Disse com a voz presa, desacostumada aos tons alterados.
A mãe, que sempre fora sua amiga, sempre o protegera, mas que nunca conseguira (tentara) entende-lo, tentou mais uma vez.
_ Que é isso filho, é para alguma festa à fantasia?
Primeiro cabisbaixo, mas depois levantando levemente a testa, com a franja nos olhos, respondeu com um pouco mais de um sussurro:
_ Não mãe. É assim que eu vou usar o meu cabelo agora.
O pai, transtornado, finalmente desengripou a garganta:
_ O que? Rosa?! Vai agora ficar andando por aí com o cabelo cor-de-rosa! Tá ficando louco moleque?! O que que é? Virou um desses panques agora? Ou tá virando viado?! Já faz um tempo que eu tava achando você esquisito! Essas roupas, esse seu jeitinho! É isso que você quer, virar uma bicha?!
_ Minha Nossa, coitado do menino!
_ Eu não sou viado coisa nenhuma! E muito menos punk!
Disse num tom crescente e seguiu:
_ Não tem nada de mais, um monte de gente usa, meus amigos também, é super normal!
_ É só uma moda, não é meu filho? Logo passa.
Profetizou a mãe.
_ Passa é o cacete! Trata de tirar essa merda da sua cabeça agora mesmo! Tá me ouvindo? Tira esta desgraça da sua cabeça ou eu mesmo raspo esse cabelo de panque viado na gilete! Na gilete, tá me entendendo?!
_ Não.
_ O que?! Não me provoca moleque! Você vai tirar essa porcaria do cabelo, eu não sei como, mas vai tirar o quanto antes senão eu mesmo arranco essa merda no tapa! Olha, eu só não te dei uma surra até hoje porque tua mãe sempre te protegeu, sempre conseguia me enrolar, mas agora experimenta! Experimenta me desafiar pra ver o que te acontece!
Estava vermelho, os olhos esbugalhados e a saliva lhe escorria em baba. Espumava.
Nunca havia visto seu pai assim. Teve medo. Olhou para a mãe buscando qualquer sinal, mas a mulher calava atônita, havia paralisado diante da reação inédita de seu marido. Não o reconhecia. Sem a guarida de sua mãe sabia que estava perdido. Pensou em concordar com seu pai e acabar com tudo aquilo. Só pensou...
_ E.M.O.
_ Hã? O que é que você disse?
Soletrou e repetiu enfático.
_ E.M.O. É o que eu sou! Não sou punk e não estou virando bicha, é só um estilo diferente que a gente tem e essa “merda” no meu cabelo é só uma tinta rosa e faz parte desse estilo!
Encarou o pai que continuava a espumar, mas percebeu que seus olhos haviam parado num instante reflexivo. Sentiu que havia conquistado terreno. Pensou que da mesma forma que havia se assustado com a reação de seu pai, ele também poderia estar estranhando a investida inesperada do filho. Sentiu-se forte e continuou:
_ E quer saber, você que nunca se importou comigo, nunca me disse o que fazer ou o que não fazer, que sempre fingiu que eu não existia, não é agora que vai querer mandar na minha vida! Você não tem esse direito porque nunca foi meu pai de verdade! E a “merda” não tá na minha cabeça, tá na sua!
Respirou e concluiu:
Pai de MERDA!
Continua....
ri